Friday, June 23, 2006

Quem quer ir beber um copo?

Tenho um amigo que mora em Londres. Temos uma boa relação e gostamos de falar durante as horas que forem necessárias, até o cansaço adiar o fim da discussão para o dia seguinte ou o para o resto da vida.

Para isto, temos de passar muitas horas seguidas juntos no dia em que ele volta de Londres, geralmente só os dois para não sermos interrompidos nas sérias e world-changing conversas que temos.

Noutro dia, estávamos num bar novo que abriu em Lisboa, com boa pinta e boa música, sentados lado a lado, numa sala interior, a beber uma bebida qualquer e a falar – talvez – da crise de Timor. Estávamos só os dois na sala, a conversar alegremente.

Nisto, entra um grupo de duas amigas e um amigo com os copos na mão. Vinham prestes a sentar-se. Olham em volta. Só estamos nós. Olham para nós, olham uns para os outros com ar comprometido, e voltam para o sítio de onde vieram. Não se sentaram.

Olhámos um para o outro.

- Estamos com ar um bocado gay não estamos?

- Gay não. Completamente roto!

Começámos a reparar em pormenores. “Ouve lá, essa bebida é um bocado de roto! Por isso é que eles devem ter pensado que éramos um casal..” “Esta bebida..sim é! Mas tu a beberes a tua pela palhinha não ajudas!!!”

E rimos da nossa própria figura ridícula. Imagine-se! Dois amigos sentados lado a lado a beber um cocktail pela palinha!! Que paneleiros!!

Que paneleiros?

É este então o estado a que chegámos: dois amigos sentem estar a passar por homossexuais, por terem ido experimentar juntos uma bebida nova a um bar novo.

Está de tal forma implementada a ostentação pública da homossexualidade masculina, que actos tão inocentes como este deixam de estar associados à sua normalidade para passarem a estar conotados com um encontro amoroso entre dois homens.

Isto é, para o grupinho que entrou no bar, seria mais normal ele e eu estarmos ali a engatar-nos mutuamente, do que a falar de Timor como bons amigos que somos.

E, ainda pior, nós próprios nos encolhemos meio intimidados quando percebemos que podíamos estar a fazer “figura de rotos”.


Não me importo minimamente que não sei quantos milhões de homens se amem uns aos outros (devem ser cegos) e nem sou daqueles que exige que o escondam – prefiro que não se beijem à minha frente, mas até o estou disposto a aceitar, em nome da liberdade individual.

Agora, preocupa-me que a maioria dos homens – que adora mulheres (há uma minoria que só gosta de mulheres, depois há uma fatia que são os homossexuais e depois há uma larga maioria que são os que adoram mulheres) – tenha de se sentir acanhado porque a minoria que gosta de homens está de tal forma enraizada que passa a ser o padrão do comportamento.

É que uma coisa é eu aceitar que haja homossexuais, outra coisa é eu me sentir confortável em ser confundido com eles.

Não me sinto minimamente bem nesse papel e faz-me um nojo sem fronteiras pensar que uma única pessoa que seja olha para mim e lhe passa pela cabeça que eu alguma vez na vida ponderaria sequer praticar o sexo anal.

Por isso, apelo a que quando virem dois homens não tirem falsas conclusões e percebam que é mais comum, se virem dois homens a falar, eles serem dois amigos do que dois homossexuais no engate.

Porque senão, qualquer dia temos de andar todos em bando e a beber canecas de cerveja para não termos medo de ser confundidos.

Ora beber canecas em bando fazia eu há 10 anos, e não me apetece voltar atrás no tempo.

Tuesday, June 06, 2006


in Público, 5.6.2006

Estou espantado. Apesar das boas notícias que evidentemente nos agradam, pela extinção do fogo, pergunto-me como será possível um espinhaço provocar um incêndio. Deve ter sofrido muito, este pobre cão, já que para além da dor de ter espetado um espinho na pata ainda ardeu de uma ponta a outra. Realmente, há que ter cuidado com o que pisamos.

Mas para além disto, pergunto-me como se terá o espinho incendiado..é verdade que, sendo um espinho, provavelmente é feito de matéria vegetal (suponhamos que era um espinho de rosa ou mesmo uma lasca de madeira) e, como tal, arde facilmente. Mas como começou exactamente o espinho a arder? Onde é que o nosso pirómano cão meteu a pata, para a incendiar? (A única certeza que temos é que não meteu...a pata na poça...já que isso teria apagado um fogo, ao invés de o despoletar).

É muito estranho este caso do espinho do cão.

Talvez possamos procurar ajuda na descrição do espinho em si. Diz-nos o "Público" que se trata de um espinhaço - tratava-se, portanto, de um espinho grande, talvez até muito grande. Um espinho grande sugere que talvez não estejamos aqui a falar de um pequeno parasita orgânico alojado na pata do cão, mas de um pedaço de madeira de tamanho considerável. Eventualmente, poderia ser até maior do que a própria pata..

Será?

E depois temos “do cão”. Isto é, não se trata de um “espinho no cão”, mas de um “espinhaço de cão” – algo que, portanto, acompanha frequentemente e não apenas ocasionalmente.

Ora isto abre-nos um sem número de hipóteses, entre as quais uma que poderá ser a chave da nossa pesquisa – e se o cão em questão não estivesse vivo na altura do incêndio, e fosse apenas um cão de plástico ou um cão embalsamado? Por exemplo, um fiel amigo de muitos anos que a família decidiu conservar entre si, por exemplo embalsamando-o.

Não me ocorre melhor lugar para conservar um amigo embalsamado do que perto da lareira, onde a família se reúne com intimidade.

E – pressinto que estamos a chegar a uma solução! – questiono, como pode um cão embalsamado aguentar-se de pé? Não pode!

Um cão embalsamado precisa de uma base - uma base de madeira, por exemplo, ou, se quisermos..um espinhaço de madeira!

E lá está! O que provocou o incêndio não foi um espinheco de rosa num pobre rafeirito!

O incêndio começou quando uma rabanada de vento rebentou com as janelas da casa da família do cão embalsamado, atingindo com a sua força o pobre animal que – colocado sobre a lareira – foi cair à beira da mesma. O impacto da queda fez a base deslocar-se do animal e cair exactamente dentro da lareira com o efeito de uma bola de bowling: os troncos ardentes saltaram para fora, incendiando aos poucos o tapete, e daí as cortinas, os tectos de madeira e o resto da casa, até que nada restasse senão cinzas, uma notícia no “Público” e uma investigação virtual completamente idiota.

Thursday, June 01, 2006

Ontem Ketchup, hoje iogurte

Acabei de comer um "Iogurte de Morango com Morangos Silvestres". Sabia ao "Iogurte de Morango" que comi na semana passada.

Somos dominados pelo marketing.

Que ingénuos somos.

Quer dizer, as empresas de iogurtes têm mega estufas espalhadas pelo Mundo onde produzem, em massa, morangos, bananas, mangas, kiwis, pêssegos e ananáses para confeccionarem, também em massa, os seus iogurtes, ao preço mais baixo para uma determinada qualidade.

E, de repente, há uma que contrata um batalhão de velhas de xaile para irem colher morangos frescos ao bosque.

Como no bosque não há um décimo dos morangos que há numa estufa, nem as velhas conseguem colher um milésimo no bosque do que uma máquina colhe na estufa, há muito menos "Iogurte de Morangos com Morangos Silvestres" do que "Iogurte de Morango": não há capacidade produtora suficiente para se colocar os dois produtos em igual número no mercado.

O "Iogurte de Morangos com Morangos Silvestres" é, portanto, uma edição limitada.

Alguém acredita nesta história?

Friday, May 26, 2006

Resposta a Florence Nightingale, nas suas loucuras de 17 de Maio

Júlio era varredor. Calcorreava diariamente as ruas empedradas e varria com a sua vassoura o passado dos outros. Pontas de cigarro, guardanapos com restos de doce de ovos, facturas de multibanco, caricas enferrujadas, secreções adoentadas, apontamentos de aulas. Os despojos das acções de quem passou por onde Júlio varria (quiçá, entre eles, algum varredor também).

Era infeliz. Não gostava de varrer. Entristecia-o a rotina fraudulenta de destruir provas, evidências de uma realidade construída de dia que ele destruía de noite, com a vassoura, preparando o dia seguinte para mais uma repetição, mais um reinício, mais um chão brilhante pronto a acolher de novo o existir dos outros (e o seu próprio).

E, pensava Júlio, com razão, “de que serve o presente, se passado umas horas ele será passado e virá quem o apague, com vassouras (ou calúnias)? Para que preparo eu o futuro de mais um dia se no dia seguinte já o estarei a apagar de novo?”.

E então, Júlio apercebeu-se da insignificância da acção e, com ela, do tempo; e com a insignificância do tempo e da acção, Júlio desprezou a matéria, varrendo-se a si próprio sem piedade nem pudor, varrendo consigo o varrer da noite seguinte e de todas as noites que haviam de vir, naquela rua e noutras, validando assim o presente do dia seguinte, deixando-o tornar-se a base do presente de muitos outros dias, que nunca seriam varridos e que formariam para sempre uma sucessão de momentos jamais varridos, um amontoar de cigarros fumados, bolos comidos, pagamentos efectuados, cervejas bebidas, pulmões aliviados e lições aprendidas, uma pirâmide de acções e realidades em que ele nada seria senão o passado varrido por si próprio.

RE: Licopeno

Caro sobreolho,

Por favor! Filetes de tamboril com ketchup?

Wednesday, May 03, 2006

Dubai - o último reduto do niilismo ou as aparências iludem?


Ia desfazer com palavras amargas e acusadoras a indústria de turismo que se vai desenvolvendo loucamente no Dubai, por considerar que a amálgama de resorts e praias artificiais que atraem as pessoas comprometem a minha visão do que é viajar: procurar algo de genuíno e, eventualmente, de diferente. Estava irritado com a artificialidade de umas férias passadas num local imaginário, desenraízado e feito à medida, que representa o contrário do desenvolvimento natural e intuitivo de um espaço (de uma cidade; de um país), desenvolvimento esse que me parece ser o factor motivador de uma viagem.

Isto é, assustava-me (e ainda assusta) o facto de aquilo ser um sítio feito "à medida", trazendo assim consigo os vícios do desenfreio científico, dos quais a clonagem é o expoente mais trágico: a construção da perfeição a partir do nada nega a possibilidade da evolução natural e, com isso, o desenvolvimento de anti-corpos.

Ora bem, após um breve diálogo com sobreolho decidi abster-me de criticar em demasia um local que nem conheço fisicamente (apesar de manter a minha posição fortemente crítica face ao conceito de turismo no Dubai) e dedicar-me mais ao lado louvável do que é o Dubai, do qual me apercebi exactamente nessa pequena conversa.

Acontece que o Dubai consome apenas 5% das suas receitas de petróleo (o que implica que investe - já que assumo que não poupa nada - 95% das receitas milionárias).

Países como a Arábia Saudita, por exemplo, não souberam o que fazer com as receitas exponenciais desde há décadas e degeneraram em ditaduras esbanjadoras semi-permissivas, em que a elite política que beneficia com o petróleo compra a liberdade dos súbditos através dos petrodólares, isto é, não lhes oferece democracia nem desenvolvimento mas, em troca, usa uma pequena parte das fortunas petrolíferas para proporcionar à população o essencial à sua sobrevivência e poder assim gastar desmesuradamente o resto sem ser criticada.

O exemplo do Dubai deu-me que pensar, porque lá está-se a re-investir quase tudo, de forma a assegurar um futuro sustentável para o Emirado. Investe-se em turismo, em alta finança, em conhecimento..está-se a tentar fazer do Dubai um local credível, isto é, transformar um deserto num oásis.

Ora isto leva-me a pensar na própria motivação humana e nos drivers que a movem: ponho-me no lugar dos líderes do Dubai e tento descobrir qual a melhor forma de atrair pessoas para ali, pessoas essas que, uma vez acabado o petróleo, lá permaneçam.

O que é que atrai as pessoas? Como transformar um nada num local onde famílias viverão felizes, uma vez terminado o petróleo?

E - mantendo a minha dúvida inicial, que no âmbito deste raciocínio ainda se torna mais crítica - tiro o chapéu aos barões do petróleo do Dubai, que se aperceberam do problema e estão a pôr em prática a solução possível, num local desenraízado: colonizá-lo.

E assim, toda a artificialidade se transforma em isco, com o objectivo de chamar pessoas de origens culturais diversas (movidas pelo driver comum a todas, que é o luxo) que, uma vez sentindo-se bem no Dubai, quiçá por lá fiquem, criando através da sua permanência e da sua actividade uma economia que sobreviva ao petróleo.

O desenfreio que eu critico é, no Dubai, um meio maquiavélico (na acepção original da palavra) de atingir um fim.

Aliás, a estratégia - que eu não conheço e, portanto, sobre a qual especulo - é genial e segue uma lógica inatacável:

Somos um local ermo cheio de dinheiro --> o dinheiro vai acabar se não investirmos --> são necessárias pessoas que, impulsionadas pelo investimento, sejam as pioneiras de uma economia sustentável --> temos de chamar pessoas que se estabeleçam aqui --> o maior chamariz em todo o Mundo é o luxo e a qualidade --> vamos atrair pessoas pelo luxo e criar paralelamente uma economia de serviços --> uma percentagem vai sentir-se bem e ficar --> quando acabar o petróleo, teremos uma economia funcional independente do petróleo e um Emirado no meio do deserto e originalmente desenraizado, povoado por uma sociedade liberal, multicultural e pioneira.

Brilhante, tendo em conta o que se passa no resto do mundo árabe.

Tuesday, April 04, 2006

Angola

Engº Sócrates, por favor divida a sua comitiva em vários aviões - não queremos que uma avaria mecânica deixe o país órfão de Capital.